Por Marcos Pinto*
Dona Moça e seu Leonildes Marcolino
Nós, apodienses, sempre nos destacamos em situações ditas vexatórias, por sermos detentores de incrível e rápida capacidade de discernimento, popularmente conhecida como capacidade de tirocínio. É um dom natural que DEUS amalgamou nos homens e mulheres da terra dos guerreiros e Caciques Itaú e Jenipapuassú, da etnia tapuias paiacus do antigo Lago Pody. Nesse contexto, sêo Leonildes sempre se destacou como um dos antigos comerciantes da Praça de Apodi, com incrível capacidade para vencer no seu ramo comercial, como realmente venceu, após longas e árduas batalhas vividas entre preços e sobrepreços de materiais para construção. Mesmo aparentando sisudez de homem duro, carrasco, carrancudo, sempre era flexível nos preços, sempre segurando a tabela até o último instante, para só ceder no soar do gongo, quando o cliente já se preparava para debandar rumo a outro estabelecimento comercial do ramo de construções.
Seo Leonildes era um homem um tanto quanto arredio, impulsivo, arrebatador, inteligente, do tipo duro sem jamais perder a ternura. Era contumaz em ajudar nas festas alusivas aos padroeiros da cidade, quer seja contribuindo financeiramente, quer seja envidando esforços físicos para angariar prendas para o leilão paroquial. Era uma alma imensa de generosidade e também de valentia moral, mas irradiador de tranquilidade, de estímulo, de confiança e de ânimo. Nascido em terras da região da Areia, margem da Mãe-Lagoa de Apodi, desde cedo entregou-se aos trabalhos árduos, que ao longo da sua trajetória de vida foram constantes e seguros em produtividade. Encarnava o exato perfil do homem idealizador e incansável na labuta diária. Tinha uma ampla visão no comparativo das coisas pretéritas com as coisas atuais, dos pormenores e movimentos que o dinamismo da tal evolução exerce, como que uma força coercitiva para que o homem atual adote uma espécia de acomodação inflexível e imediata. Diante observações infundadas de alguns clientes acerca dos altos e baixos vividos no comércio da compra e venda de materiais de construção, sempre alertava, frisando: "Os tempos são outros !. Isso refletia uma espécie de alerta para que, vez por outra, deve-se adotar uma perspectiva de administrar o seu comércio com um olho no retrovisor e outro nas paralelas das minudências do momento, afastando qualquer manifestação do ufanismo, da mentira deslavada e a propaganda descarada em forma de marketing enganoso. Foi um homem fisicamente forte e espiritualmente superior.
Em sua faina como comerciante, Sêo Leonildes protagonizou algumas cenas deveras hilária. Fui testemunha ocular de uma peleja no preço fixado para compra e venda de cano PVC ao meu prezado e distinto tio paterno Paulo de Aristides Pinto, Professor, advogado e comerciante do ramo de temperos e condimentos alimentícios. Acompanhei o dito tio em périplo por diversas lojas de venda de materiais de construção, fazendo valer aquela antiga mania de barganhar nos preços, por menor que fosse a diferença, para menos. Após passarmos por três lojas, nos dirigimos à loja de sêo Leonildes, isso já beirando o meio dia. Fomos gentilmente recebidos, tratamento costumeiro dispensado a todos os clientes, indistintamente. Fiquei ao largo, observando a abertura do diálogo entre vendedor e comprador acerca do preço do metro de cano PVC rígido 3/4. Lembro-me que após Sêo Leonildes informar o preço, o matreiro cliente fez a observação de que nas lojas visitadas anteriormente o preço era dez centavos a menos, por metro do cano. Aí começou uma peleja que se arrastou por longos 30 minutos, sem que seo Leonildes arredasse pé no abatimento do preço, nem muito menos o não menos teimoso cliente mudava a sua oferta de compra, sempre observando o nome do outro dono da loja, que por sinal não era apodiense, já ameaçando retornar a loja mencionada, já caminhando para a saída da loja. Após muitos longos suspiros, sêo Leonildes dirigiu-se à sua esposa dona Moça, que era o caixa no momento, dizendo-lhe: "Moça, receba o dinheiro da compra aí feita pelo Dr. Paulo de Aristides. !".
De outra feita, sêo Leonildes fora vítima de um assalto de um ousado meliante, como sempre praticado sob a tranquilidade do horário do meio dia. Só sêo Leonildes e dona Moça se encontravam na loja, uma vez que os funcionários tinham saído para o almoço. Eis que de forma sorrateira, o assaltante adentrou a loja com andar calmo e aparentando certa tranquilidade, o que passou a impressão de ser apenas mais um freguês. A essa altura, sêo Leonildes se dirige para o freguês perguntando-lhe que material de construção o mesmo queria comprar, ouvindo o suposto freguês afirmar-lhe, à queima-roupa, que se tratava de um assalto, ao mesmo tempo em que punha a mão sobre a cintura, como que para mostrar que se achava armado. Impassível, sêo Leonildes exclamou:
- Deixe de besteira rapaz !.
Ao ouvir tal manifestação intempestiva de sêo Leonildes, eis que o bandido saca de um revólver e encosta-o na barriga de sêo Leonildes, que também ligeiramente se dirige à dona Moça, exortando-a:
- Vá Moça, entregue todo o dinheiro a esse rapaz !.
Após esse constrangedor e inusitado incidente, o meliante saiu calmamente, sem demonstrar nenhum receio de reprimenda por parte de sêo Leonildes. Era componente da velha guarda dos comerciantes apodienses, cerrando fileiras ao lado de sêo Valdemiro Custódio, Preto Custódio, João Custódio, Joel Câmara, Zé de Chico Pedro, sêo Dioclécio Almeida, Fernando Menezes, Zé Sidô, Raimundo Monteiro Cavalcanti, Mário Marinho da Mota, Aurino Gurgel, Chico do Canto, Chico Paizinho, Raimundo Sena e tantos outros. que contribuíram de forma relevante para o desenvolvimento da economia apodiense.
Assim era o cidadão LEONILDES MARCOLINO - Homem cordial e acessível, sem rancor e sem ódios. Um gentleman à moda sertaneja.
*Marcos Pinto é historiador e advogado
Blog Fatos de Apodi - Portal Fatos do RN
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