quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Dona Lourdes Mota - Por William Guerra


DONA LOURDES MOTA

Vou gravar aqui como se fosse a voz recordadora e fiel,
Pois fui aluno amotinado, e, ajudado pelas lembranças no tempo,
A trajetória de uma mulher corajosa que, pelas letras do alfabeto,
Degrau a degrau, foi ao topo, a vida plena de nobre profissão.

Não me lembrem de façanhas de outros sábios que venceram,
Ou que ganharam aos montões a cultura negaceando.
Falo de dona Lourdes Mota, inteira, risonha e serena,
Que emigrou lá da zona rural e veio brilhar na sua cidade!
Recordo-me muito bem, você, minha digna professora,
Passou toda a sua existência dizendo-se esgotada,
Para qualquer emoção e saber-se incapaz de chegar tão longe.
Dona Lourdes Mota foi professora pública, mas em sua casa,
Mantinha a velha e eficiente escola particular onde estudei.
Os bancos recostados na parede, um mundo de vozes cruzando,
E você sentada, atendendo a todos e a cada um, incansável.

Autodidata, fez o curso de madureza pelo rádio, aprovada,
Prestou todos os exames, laureada sempre em primeiro lugar,
E tornou-se a mais preparada professora que eu já conheci!

Casada com Magrinho de Gonzaga, comerciante ambulante,
Tinha um caminhão “Ford-29” e vivia de viagens pelo mundo,
Você, praticamente sozinha, ao lado da irmã, Isa Mota,
Criou o único filho, meu amigo, Stênio que herdou sua bondade.
Tudo em você foi iniciativa pessoal, nada lhe deram gratuitamente,
Sua inteligência a fez maior, sua perseverança a tornou grande!
Obtinha o pão com muito suor, sacrifício e lágrima, sem reclamar,
É que a sua vida mostrou como a semente ganhou a terra boa,
Para obstinação do plantio, e a esperança era seu alimento.

Fui seu aluno na escola pública e na particular, não esqueço,
O dia em que me chamou e me ensinou, com entusiasmo,
A colocação na frase do pronome: ênclise, próclise e mesóclise,
Que eu, meio desajeitado, não conseguia alcançar as regras.
Fazia isso com todos os seus alunos, sempre, na hora do recreio,
Ficava na sala de aula e chamava aquele ou aquela que, sabia,
Estivesse fraco perante os demais nalguma matéria específica.
Ganhou o louvor público dos colegas, o amor dos seus alunos,

Jamais faltou um dia ao ofício de professora, isso é magnânimo,
Pois agia desinteressadamente com vista somente a servir!
Quando, já doente, avisaram que você não viria, a surpresa:
Com dificuldade, a sombrinha defendendo-a do sol inclemente,
Você apareceu para a admiração de todos, comoção e aplauso.
Argumentou que preferia ser doente ao lado dos seus alunos,
Inspirando-os para que não desistissem, do que acomodar-se,
Quando sabia é certo o fim de cada um, e, se não exercesse,
Seu trabalho de dar aulas, talvez apressasse o seu adeus...

Hoje ensina matemática aos santos, alfabetiza os anjos,
Por cá foi professora de trabalho de teima, sofrido, pensado,
Sobretudo sonhado, atribulado às vezes, mas incessante,
Em sua marcha ascensional, até ser recebida com festa no céu.

*William Lopes Guerra é advogado e poeta apodiense.

Um comentário:

  1. Nunca esquecerei da minha professora da quinta série, Dona Lourdes Mota. Como você, estudei no grupo escolar Ferreira Pinto e na sua residência, como professora particular.
    Quantas lembranças tenho daqueles momentos quando chegávamos na casa dela para a aula da manhã e íamos brechar pela janela qual o verbo que conjugaríamos naquele dia. Sim, porque naquela época, se aprendia a conjugar verbo. Todos os dias tínhamos que conjugar um verbo do presente do indicativo ao subjuntivo e suas formas nominais. Muita saudade desses tempos que não voltam mais!
    Luci

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